quarta-feira, 16 de maio de 2012

Violência e mulheres vivendo com HIV/Aids: rompendo o silêncio


Apesar do desenvolvimento progressivo no cuidado às pessoas vivendo com HIV e aids, dos trabalhos preventivos, da disponibilização de insumos, como preservativos, a epidemia da aids no Brasil e no mundo é um importante problema de saúde pública que ainda traz preocupações no seu controle. Somada a essas preocupações pontuamos a questão da feminização, crescente desde os anos 1990, que é hoje um dos desafios no enfretamento da infecção pelo HIV.


Segundo dados do Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas para o HIV e Aids) de 2008, estima-se que no cenário mundial há 33 milhões de pessoas vivendo com HIV, dentre elas 15,5 milhões são mulheres acima de 15 anos, o que representa 50% do total de adultos infectados. O estudo indica que 77% (12 milhões) de todas as mulheres HIV positivas vivem na África Subsaariana, o que representa 59% dos adultos vivendo com HIV. Observa-se também que a prevalência em toda essa área entre mulheres jovens é três vezes maior do que a prevalência entre homens jovens (15 a 24 anos).



O cenário nacional vem mantendo-se estável desde 2004, e estima-se que 630 mil pessoas vivam hoje com HIV e Aids. Foram notificados 544.846 casos de Aids no Brasil, de 1980 até junho de 2009, dos quais 65,4% são homens e 34,6% são mulheres.




No Município de São Paulo, segundo Boletim Epidemiológico de 2010, o coeficiente de aids na cidade vem diminuindo desde 1999 e mantendo a razão de dois homens para uma mulher, desde 1997. A faixa etária entre 20 e 39 anos em ambos os sexos apresenta o maior número de casos notificados, com tendência de elevação nas faixas etárias de 40 a 49 anos e de 50 a 59 anos. São 24.094 pessoas em seguimento ambulatorial nos serviços especializados, sendo 8.917 mulheres e 14.177 homens.
Sendo assim, além dos fatores biológicos, que contribuem em alta suscetibilidade das mulheres às DST e à aids, vários outros condicionantes das relações entre homens e mulheres são fundamentais na trajetória da epidemia. Assim, relações desiguais entre os mesmos, vivência da sexualidade, conhecimento do corpo, negociação em medidas preventivas, como uso de preservativos, violência sexual, condições socioeconômicas e culturais, além do acesso aos serviços de saúde, como também a falta de ações e informações adequadas, são aspectos relevantes para o avanço da epidemia.
Embora os dados epidemiológicos nos informem que todas essas questões apresentadas implicam maior vulnerabilidade de a mulher contrair o HIV, os estudos sobre gênero vêm contribuindo para a problematização da epidemia, como também no tema da violência contra as mulheres. Neste sentido, tanto o HIV como a violência para o campo da saúde se configuram em importantes desafios ao se considerar os processos de adoecimentos não somente centrados no biológico, mas, sobretudo, nos diferentes condicionantes da vida de mulheres e de homens em relações.
Diversos autores, como Sandra Maria Silva da Cista (2000), têm identificado a hipótese de ser esta feminização também alimentada pelo crescimento da violência contra os corpos, mentes, saúde e direitos de mulheres e meninas no mundo todo. Em 2003, a Organização Panamericana de Saúde menciona que a violência sexual e doméstica e o HIV/Aids são os dois dos mais graves problemas de saúde e de desenvolvimento humano na América Latina e no Caribe. Os que estudam a violência por parceiro íntimo, por exemplo, têm apontado para tal situação como responsável pelo aumento da epidemia em casais, seja de formação hetero ou homossexual.
Sendo assim, aids e violência se assemelham por tratar de questões de direitos humanos, de iniquidades como as de gênero, de classe social ou de raça. Ambas são resultados de comportamentos culturais profundos e complexos e, além disso, parecem reforçarem-se mutuamente. Assemelham-se, também, nas relações provocadas pelos conflitos familiares, em razão de uma doença que remete a preconceitos e desqualificação da mulher por ser portadora do HIV.
O Unaids, em seus relatórios, relata que vários estudos no mundo confirmam a relação entre violência contra as mulheres e o HIV. Tais referências indicam que as mulheres portadoras do HIV tiveram maior probabilidade de ter vivido situações de violência, e as que sofrem violência teriam maior propensão à infecção.
Um de seus relatórios, o de 2006, revela que uma em cada três mulheres no mundo já foi espancada, forçada ao sexo ou abuso, e geralmente por algum conhecido. Isso se confirma em estudos sobre violência por parceiros íntimos que revelam a frequência de casos de mulheres que comparecem aos serviços de saúde por estarem ou por terem vivido situações de violência por parte dos parceiros íntimos. O Unaids também reforça a necessidade de intervenções nos serviços de saúde, com abordagens qualificadas para o cuidado de tão importante questão de saúde pública.
Um estudo realizado nos municípios do estado de São Paulo revelou que mulheres que sofrem violência por parceiro íntimo tendem a frequentar mais vezes os serviços de saúde, principalmente quando há gravidade e repetição do evento, o que reitera estudos internacionais para a prevalência de diferentes tipos de violência entre mulheres usuárias dos serviços de saúde, principalmente os da atenção primária.
No entanto, há dificuldades em reconhecer situações de violência nos serviços de saúde. Isso se deve à tendência dos profissionais em considerar que se trata de questões relacionadas à justiça e que pouco podem contribuir para o evento. Nesse sentido, a violência cometida por parceiro íntimo é considerada um problema privado em que os profissionais de saúde não se sentem preparados e os serviços, tampouco estruturados para a condução de queixas que não possam ser referidas em um modelo medicalizado, contribuindo para a invisibilidade dos casos.
Conclui-se que a violência sexual perpetrada por estranhos é melhor reconhecida pelos profissionais de saúde, por trazer necessidades de intervenções padronizadas em protocolos medicamentosos, principalmente pela profilaxia das doenças sexualmente transmissíveis e a aids. No caso da violência doméstica, às vezes a atuação se reporta ao tratamento medicamentoso baseado na ideia de um sofrimento mental.
Portanto, a violência contra as mulheres já faz parte dos repertórios de necessidades para o cuidado em saúde. No âmbito das práticas em saúde, há de se considerar as especificidades das violências e traçar caminhos para romper sua trajetória e quebrar o silêncio. É necessário ampliar os conceitos de tratamento e o cuidado em saúde no acompanhamento da mulher vivendo com HIV e aids, que, embora inseridos nos dias de hoje em avanços terapêuticos, podem deixar de considerar questões subjetivas, nas quais as violências podem estar presentes, e o impacto destas nas dificuldades ou falhas em termos da adesão ao tratamento.
Márcia de Lima é educadora e assessora técnica do setor de prevenção do Programa Municipal de DST/Aids de São Paulo.
- Texto parcial da tese de doutorado em andamento pela faculdade de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo.
Fonte: Agência Aids de Notícias


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